terça-feira, dezembro 3


Virado para o oceano mais a oeste de Portugal, descubro que nas rochas cobertas por algas e outros bichos, a sensatez do meu comportamento ora indiferente ora ansioso, revela-se mesmo que inconscientemente.
Será pelo vazio deste lugar ou  pela paisagem que me faz parecer tão pequeno quanto um suspiro?
Irei descobrir, os motivos vão-se transformando em objectos.
Este cérebro tem o desplante de passar horas a fio junto ao mar mergulhando-se em salpicos de acontecimentos, vontades e desejos, e não admite qualquer licença ou ordem que o impeça de trabalhar o tempo, no tempo e pelo tempo.
O espelho está montado. Cai luz na ponta mais a litoral da Lagoa de Óbidos.
Estas riscas amareladas que pintam a água salgada nesta noite gélida, conduzem-me até à outra margem.
Oiço o mar! O mar que fica entre nós, o nós da Foz e o nós do Bom Sucesso.
A brisa estende-se pela areia e pouso todo o meu corpo neste lugar silencioso onde as palavras do oceano são o único ruído nos meus ouvidos. Assim me conforto com esta paisagem.
Também as disputas animalescas que ali se travam e o zunido da areia voadora, fazem-me sentir  livre, preenchendo o meu espaço interior com murmurinhos pessoais e vivências tão contemporâneas quanto as horas que trago no pulso.
Bem, a verdade é que distância entre margens aperta-me o pescoço.
É curta!
É tão igual a um último plano numa figura geométrica que a minha mente fotografa e na mesma tenta tocar a todo o momento.
Apraz-me a sensação desta ondulação e arrefecidas que estão as minhas palavras, os meus gestos e todo o tempo que me parece inesgotável.
A noite leva-me a acreditar que também naquele Bom Sucesso ao longe, existem vozes vindas de bichos iguais ao meu ser, campos de verde e castanho e rugas que brincam com a pele jovem de outras gerações.
Cada vez que vislumbro aquela encosta, a espuma branca do mar lembra-me que por ali paramos, esbarrando em rochedos de um mundo que me é exterior e que na mesma desconheço.
Este sistema de leis que causam a distância e criam o lugar, torna-me num sociopata de mim mesmo mas também, um feliz ser que se dá por contente ao contemplar a imensa paisagem que está mesmo à sua frente.
E lá vou divagando por cima dos meus ombros…
Os sentimentos não são mais que formas que desencorajam os Homens em momentos tão específicos.
Estou sentindo…
Estes deixam em mim um horário vital e aquela responsabilidade sarcástica que devo ter sempre comigo mesmo. Pegam no meu corpo como se se tratasse de uma marioneta e obriguem-me a gestos físicos e psicológicos que balanceiam este corpo, neste lugar.
São também os sentimentos, fórmulas cravadas através de momentos que dão justificação a tantos comportamentos, desencadeando-os quer de forma natural quer de forma partilhada, quer por vontade própria quer por vontade alheia.
Descobri ainda em adolescente que o sentir tem aquela força atómica que por vezes nos rouba a inteligência e não se incomoda com razão que seja.
Assim penso, que existe a razão dos Homens, existe a fé dos Homens e existe a diarreia mental que não sabe o que é a razão e para que serve esta.
A paisagem e o simples estar neste lugar, abre-me a possibilidade para o tal rebuliço de cabeçada, ora não fosse Sucesso parte do nome da outra margem e a falsidade um mal constante na vida que rodeia o ser-se em todos os mundos.
Bem-vinda Foz.

Bem-vindo Nadadouro e bem-vindo este lugar, que guardarei para todo sempre.

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